sábado, 8 de agosto de 2020

A única saída possível: justiça para Marielle

 

Foi no dia 14 de março de 2018, que um crime mudou para sempre a História do Brasil e do mundo. Nesta data, foram brutalmente assassinados a defensora de direitos humanos e parlamentar no exercício do seu mandato Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes. Suas mortes levaram consigo sonhos individuais e coletivos, a alegria de duas famílias e uma interlocutora fundamental para uma série de cidadãos e cidadãs do Rio de Janeiro que eram beneficiados pela atuação de Marielle, incluindo aí jovens, negros e negras, moradores de favelas, mulheres, pessoas LGBTI, policiais vítimas da política de segurança pública e seus familiares. A demora na solução deste caso arrasta consigo a credibilidade de autoridades e instituições brasileiras.

Infelizmente, Marielle não foi a primeira defensora de direitos humanos a ser vítima de violência no Brasil, mas a repercussão de sua história, somada à demora em dar respostas por parte das autoridades, ressoa cada vez mais alto nos ouvidos de todas as pessoas que atuam pela defesa do bem coletivo: vocês não estão seguros e seguras. Pior, somamos cada vez mais vítimas, como é o caso do indígena Paulo Paulino Guajajara, assassinado no início do mês no Maranhão. Ele era um guardião da floresta e defendia o território de seu povo.

Desde as primeiras horas dos assassinatos da Marielle e Anderson, a Anistia Internacional cobrou justiça. E, para nós, a justiça só estará garantida quando todos os envolvidos nessas mortes tiverem sido identificados, levados à justiça e submetidos a julgamentos justos, imparciais, transparentes e céleres. Hoje, 20 meses depois, estamos bem longe disso. O labirinto do caso Marielle Franco, que apresentamos no início deste ano e expressava 23 perguntas sem respostas relacionadas às execuções de Marielle e Anderson, só aumentou.

Nos últimos dias, assistimos a uma inundação de denúncias, acusações, disputas políticas, desencontros de versões e silenciamentos por parte daqueles que deveriam estar, desde o primeiro dia, trabalhando de forma colaborativa com o objetivo de esclarecer este caso: as autoridades políticas e policiais do Estado do Rio e do país. Como palco, a imprensa. A velocidade com que são publicadas e avidamente consumidas as inúmeras notícias com as reviravoltas das investigações mostram a sede da sociedade por informações sobre a elucidação do crime. É um sentimento legítimo de quem se vê, há tanto tempo, sem respostas.

Entretanto, é preciso ter calma. O que existe hoje não são respostas e há pouquíssimas e insuficientes versões oficiais. Assistimos a uma espetacularização em torno do caso, que traz consigo uma grande confusão e nos distancia cada vez mais da pergunta que realmente importa: quem mandou matar Marielle Franco, e por quê?

É fundamental que não fiquemos presos nas paredes desse labirinto. Nós, sociedade civil e comunidade global, que somamos mais de 780 mil pessoas que exigimos uma solução para o caso em petição entregue ao Governador do Rio, Wilson Witzel, e ao Procurador Geral do Ministério Público do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem, em março deste ano, precisamos estar vigilantes e atentos. A quem interessa o vazamento de tantas informações que supostamente deveriam estar sob sigilo? Quem está por trás destes vazamentos?

Vazamento não é resposta e transparência não é quebra de sigilo. Desde o início das investigações, demandamos a criação de uma comissão de especialistas independentes para acompanhar os trabalhos e atestar se estavam obedecendo a todos os procedimentos legais e corretos. A guerra de informações a que assistimos agora de forma atordoante é impulsionada pela falta de transparência.

É imprescindível que as autoridades responsáveis pelas investigações disponham de todos os recursos para identificar os envolvidos neste crime bárbaro, doa a quem doer. À sociedade, pedimos cautela. Às autoridades, exigimos transparência e resposta. Não descansaremos até que se faça justiça para Marielle e Anderson, e até que todos os defensores e defensoras de direitos humanos estejam seguros para atuar neste país.

Frases de Nelson Mandela #4

 

Anistia Internacional cobra de Witzel solução sobre assassinato de Marielle

Depois do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (Psol) e seu motorista, Anderson Gomes, a Anistia Internacional cobrou novamente o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), a garantir esforços pela elucidação do crime, descobrindo seus mandantes e objetivos.

Os ex-policiais Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Queiroz foram presos acusados de serem os executores do crime. Desde então, não há nenhum avanço importante no sentido de identificar os mandantes do crime e suas motivações.

A Anistia Internacional e a família de Marielle foram recebidas pelo governador e ouviram dele o compromisso de empenhar esforços na investigação. A organização encaminhou novos pedidos a Witzel e ao procurador-geral de Justiça do Estado, José Eduardo Gussen, renovando sua cobrança por resolução dos assassinatos e por informações atualizadas sobre os inquéritos policiais e outras ações investigativas em curso.


“No dia em que nos reunimos pessoalmente, 13 de março, o governador se comprometeu a empregar esforços e recursos para chegar à resolução do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. O procurador-geral de justiça assumiu o mesmo compromisso, mas desde então parece que pouco foi feito para descobrir quem mandou realizar o assassinato de  Marielle e por que. Ou para garantir que todos os envolvidos sejam levados à justiça. Isso coloca em questão o compromisso das autoridades com uma ação célere”, disse Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil.

A organização ressaltou que a prisão dos dois suspeitos de serem os autores materiais do assassinato de Marielle foi um passo importante. No entanto, os mandantes do crime ainda não foram identificados. “Não descansaremos até que tudo tenha sido esclarecido, até que todos os responsáveis por esse crime, tanto seus autores materiais quanto seus mandantes, tenham sido levados à justiça em um julgamento justo e até que o Estado ofereça proteção e apoio psicossocial às famílias de Marielle e Anderson.”

“Se os assassinos e os mandantes não forem condenados, será uma decepção muito grande para nós, para a sociedade no Brasil e no mundo também. É inadmissível que uma defensora de direitos humanos seja morta e, com toda a tecnologia que temos, não se chegue a essas respostas. Enquanto não chegarmos, não vamos parar”, afirmou Antônio Francisco, pai de Marielle.

Ontem, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, solicitou a federalização do caso Marielle e Anderson. Se o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aceitar o pedido, o inquérito sobre os assassinatos passará para a responsabilidade da Polícia Federal, saindo da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro. Nesse caso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) passa a ser o órgão de acompanhamento do processo. A decisão ficou a cargo do ministro Raul Araújo, relator do caso.

No início do ano, a Anistia divulgou 23 questionamentos que ainda precisavam ser respondidos sobre o assassinato de Marielle. Algumas foram respondidas ao longo do ano, sobretudo com a prisão dos ex-policiais. No entanto, ainda não há explicações sobre as conclusões das investigações realizadas pela Polícia Federal e o trajeto do carro usado no crime.

“Nunca é demais lembrar que o Brasil continua sendo um dos países mais perigosos para os defensores e as defensoras dos direitos humanos. Resolvendo o crime contra Marielle, o Estado poderia mostrar que não vai tolerar nenhum ataque contra os defensores dos direitos humanos. As autoridades precisam transmitir uma mensagem clara de garantia de proteção para quem luta pelo que acredita: a garantia dos direitos humanos para todos”, disse Jurema.